quinta-feira, 29 de março de 2007

neo-humanismo revolucionário

Este artigo é o resumo de uma palestra sobre Neo-Humanismo Revolucionário apresentada no Grupo de Estudos de Prout - Teoria da Utilização Progressiva, que acontece na USP todas as 3as feiras, às 18h.

Humanismo vs Neo-Humanismo



As várias vertentes do pensamento Humanista posicionaram ideologicamente o ser humano no pináculo da criação, desenvolvendo na psique coletiva um sentimento antropocêntrico de supremacia sobre todos os outros 'companheiros de jornada evolutiva' com quem compartilhamos a vida na Terra. Este sentimento de superioridade causou ao longo das últimas décadas um desencadeamento de ações, atitudes e apropriações desastrosas para todas as formas de vida do planeta e suas reservas naturais, sem precedentes na história.
O resultado destas ações é claramente documentado hoje nos relatos sobre o efeito do impacto humano no ecossistema, no clima e na desigualdade econômica dos aglomerados urbanos.


O Neo-Humanismo proposto pelo pensador indiano, Prabhat Rainjan Sarkar (1921-1990), surge, não somente como uma resposta a este desastroso viés do comportamento de nossa espécie, mas como uma revolucionária ideologia de ações sanadoras para tal enfermidade anímica da psique coletiva, a saber, o complexo de superioridade racial.

De acordo com o pensamento de Sarkar, “a mente realiza várias atividades, como pensar, recordar, etc; e trabalha de três formas diferentes. Uma delas é o uso da discriminação. Qual a natureza da discriminação? “Eu devo fazer isto! Não, eu não devo fazer isto!...” Fazer ou não fazer. Quando os seres humanos julgam e discriminam o que é próprio e o que é impróprio, e escolhem o caminho certo, chamamos isto de consciência. O caminho da discriminação é chamado racionalidade. Quando a pessoa está avançando, guiada pela consciência, surgem alternativas lado a lado; o que é próprio e o que é impróprio, o que fazer e o que na fazer. Deve-se examinar tanto a propriedade como a impropriedade de uma questão para se tomar uma decisão. Quando, após esse exame, toma-se a decisão para o lado certo, chama-se a isto de ‘consciência’.


A segunda forma do movimento psíquico é sentimental. Aí não há discriminação do que é justo e do que é injusto, apenas gosta-se de algo e permite-se que a mente vá em busca deste algo.


No processo de deixar a mente perseguir alguma coisa, pode ser que do início ao fim, eu aja de maneira própria ou desejável, mas pode ser que, por todo o tempo, eu aja incorretamente, ou de modo indesejável. Este é um caminho arriscado, porque se a ação for incorreta, do início ao fim, não apenas uma pessoa poderá ser prejudicada, mas toda uma família, toda uma comunidade, todo um estado ou toda uma sociedade poderá ser levados à destruição total. (...)


Já os animais menos evoluídos que os seres humanos são incapazes disto. Eles não podem seguir o caminho da racionalidade ou da consciência. Os animais mais desenvolvidos seguem meramente o caminho do sentimento. Quando um animal gosta de alguma coisa, ele corre atrás dessa coisa, quando não gosta não a procura. Se um pássaro avista alguns grãos de arroz espalhados sobre uma rede, pensa: ‘Deixe-me descer e comê-los!’ E assim é apanhado na rede. (...) As criaturas menos evoluídas são destituídas até mesmo desse sentimento. Elas agem apenas de acordo com os instintos inatos; agem com a mente primitiva que herdaram ao nascer. (...) Um mosquito, guiado pelos seus instintos, suga o sangue sempre que pousa em outro corpo. Não podemos julgar suas ações como boas ou más, nem são elas sequer guiadas por sentimentos, isto eles não possuem de forma alguma. No caso dos animais desenvolvidos, o sentimento é maior que o instinto inato. E no caso dos seres mais desenvolvidos, como os seres humanos, há não só sentimento e racionalidade, como também a capacidade de discriminação.” *1


Sarkar afirma que, como seres humanos, devemos seguir o caminho da racionalidade e da discriminação. Quando deixamos que os sentimentos guiem nossa trajetória, seja como indivíduos, grupos ou como sociedade, abrimos as portas para os geo-sentimentos.

E o que são esses geo-sentimentos? É a permissão para que o fluir dos sentimentos em relação a um determinado território ou região cresça de forma errônea, sem que haja discriminação se tais sentimentos são lógicos ou ilógicos. Num primeiro momento, a racionalidade discriminatória é substituída pelo sentimentalismo e em seguida pela superstição. As teorias religiosas, econômicas, políticas e sociais que são baseadas no geo-sentimento, desde o seu início dão lugar a superstição e a oceanos de fé cega e dogmas que limitam a emancipação dos seres humanos em todas as esferas da vida.

Afirmações de que uma nação ou região é superior ou mais sagrada do que outra é um exemplo de geo-sentimento, assim como crenças de que peregrinações para lugares especiais conduzem à iluminação, ou que devemos meditar ou orar voltados para este ou aquele ponto cardinal, são outros exemplos deste mesmo sentimento. Toda a Terra é sagrada, assim como todo o Universo e suas inimagináveis direções e fronteiras também o são. Tudo está contido dentro da Grande Mente Cósmica e por ela é permeado; este Ser Supremo não habita em nenhuma região específica, o Universo inteiro é uma expressão Sua e assim sendo, tudo está embebido de valor Supremo – este é o conceito universal de Dharma.

Quando este mesmo sentimento irracional se dirige às pessoas ou grupos, Sarkar o chama de sócio-sentimento. Crenças infundadas de superioridade racial, étnica, religiosa, de gênero, discriminações sexistas, partidarismos e grupismos se enquadram dentro desta mesma lógica.

Tanto o sócio-sentimento como o geo-sentimento são formas forjadas de manipulação em massa e aprisionamento da mente coletiva. Quando ambos surgem, afirma Sarkar, ‘submergem a humanidade em um pântano de superstições e o povo luta na lama durante anos. O progresso é interrompido para sempre.’*1


Faz-se absolutamente necessário, neste e em todos os momentos da nossa jornada humana na Terra, que exercitemos nossas percepções para a máxima utilização das esferas mentais, cognitivas e discriminatórias a fim de que estes sentimentos sejam identificados e trazidos à luz de uma análise racional, proporcionando a abertura dos véus de ilusões separatistas, propositalmente confeccionados para manter a sociedade humana prisioneira das estruturas de dominação ideológica mercantilista. Não somente os geo-sentimentos e os sócio-sentimentos devem ser expostos ao conhecimento de toda a sociedade, para que esta os avaliem, mas também aqueles detratores que os forjam em suas salas de reunião, seus comitês políticos, agências de propaganda e veículos de comunicação para que sejam também conhecidos e avaliados por todos. Sarkar chama tais detratores da sociedade de ‘camaleões humanos’ e aponta suas ‘estratégias de sentimento metamorfoseado’, com as quais, antevendo o declínio na aderência às suas propagandas por parte da sociedade, metamorfoseiam seus apelos com renovados discursos de atração sentimentalista, fisgando grupos de pessoas pelas carências advindas das privações geradas e mantidas por seus próprios sistemas políticos, econômicos, sociais e pseudo-artísticos.

Prabhat Rainjan Sarkar aponta três caminhos a serem percorridos para a construção de uma sociedade Neo-Humanista:



  • A espiritualidade como prática:



O desenvolvimento de práticas conscienciais que habilitem os seres humanos a discernir sobre os mais diversos aspectos da vida de forma clara e racional, evitando o surgimento de geo e sócio-sentimentos; e práticas de introversão das faculdades cognitivas (como a meditação) para o auto-conhecimento e a apreensão da realidade interna da natureza humana.

  • A espiritualidade como essência:

A raça humana possui uma mente coletiva (inconsciente coletivo, como Jung o chamaria). Trata-se de um grande banco de dados, um depositário do conteúdo arquetípico, ou mítico, de todas as mentes. É preciso que ocorram mudanças no fluxo mental da mente coletiva. Devem ser criadas novas ondas de pensamento, ou seja, é preciso que semeemos novos padrões de pensamento dentro deste grande depositário de informações para que estes novos referenciais estejam disponíveis ao acesso das mentes individuais. Isto é feito através do que chamo ‘bombardeio ideológico’, no qual os ideais para um novo tempo, com uma ética neo-humanista, são apresentados às pessoas da sociedade por meio das artes (teatro, cinema, música, literatura, quadrinhos, pinturas, etc) e de conversas, palestras e seminários que apresentem estes novos referencias universalistas à mente coletiva.

  • A espiritualidade como missão:




É a clara compreensão de que você e a Consciência Suprema, o Núcleo Existencial Cósmico são Um, e que é possível afinar a sintonia com esta fonte - que recebe diferentes nomes em cada cultura da Terra - e assim fazer com que sua vida flua de maneira mais ressonante e harmoniosa com toda a Natureza.


A essência do Neo-Humanismo descansa sobre a clara percepção da sacralidade de toda a expressão cósmica, animada ou inanimada. Através da Teoria Gaia, proposta pela biologia contemporânea e pelos estudos de ecologia profunda, compreendemos a Terra como um macro-organismo, composto de infindáveis micro-organismos e estes por sua vez, comportam outros milhares de micro-organismos. Estes micro-organismos estão muitas vezes inconscientes do macro-organismo que os comporta. Assim como suas células não estão inteiramente cônscias da identidade, ou da personalidade por detrás do corpo que as transportam de um lado para outro, muitos de nós, seres humanos, viajamos pelas veias e artérias de nossas cidades sem darmos conta do grande corpo que habitamos e do impacto de nossas ações dentro desta grande estrutura. Como espécie de mente mais expandida neste planeta devemos nos mover para um despertar da consciência de quem somos, de onde estamos, de nossas ações e de nossa inerente responsabilidade, como ‘irmãos mais velhos da criação’ por manter o bem estar a todas as formas de vida que marcham no caminho da evolução, garantindo a este imenso universo de belíssimas formas e cores um presente e um futuro brilhante e bem sucedido.


Encerro com as palavras de P. R. Sarkar:
Sejam vocês os pioneiros de um novo tempo. Vitória para todos vocês!

Rogério Meggiolaro – Satyavan
Psicólogo, educador ambiental, instrutor de yoga. Dirige o Instituto Neo-Humanista Sada Shiva onde atualmente focaliza seu trabalho de forma a difundir ideais para uma revolução sócio-cultural baseada nos princípios da cultura de paz.